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O surdo, esse desconhecido
Cristiane Seimetz Rodrigues
Professora - cris.seimetz@gmail.com
Não raro é possível vivenciar situações em que os que ouvem chamam aos que não
ouvem de "surdo-mudo", "mudo", "mudinho", na crença de que todo surdo é mudo. A
verdade, porém, é que bem poucos surdos são mudos, e há muitas pessoas mudas que
não são surdas. O mudo é a pessoa privada de algum órgão do aparelho fonador que
o impeça de produzir sons, por exemplo, ter nascido sem cordas vocais. Como não
pode produzir espécie alguma de som, consequentemente, ele não utiliza a fala.
A fala, enquanto atividade que envolve a produção de sons, também não é
empregada por boa parte dos surdos, o motivo é simples: eles podem produzir som
- entendido, nesse caso, como barulhos, ruídos -, mas como não podem captá-lo,
ficam, na maioria das vezes, impossibilitados de produzir ou reproduzir sons da
fala. Na condição de atividade linguística oral, a fala é aprendida por meio da
audição. Assim, a surdez dificulta ou impede a aprendizagem dos sons ditos
linguísticos. Para compreender a diferença, basta pensar numa cena em que um
surdo dá uma topada numa pedra. Ele vai, possivelmente, urrar de dor, fará
barulho, sua expressão de dor será tão ruidosa quanto à de um ouvinte. A
diferença reside no fato, malvisto pelos politicamente corretos, de que o
ouvinte empregará uma (ou umas) expressãozinha de baixo calão para extravasar
sua dor/raiva.
O exemplo acima é apenas um possível. Surdos também podem produzir muito barulho
- sons vocais - para chamar a atenção de um ouvinte, pelo motivo que for. Embora
o usual seja encontrar surdos que não se utilizam da língua oral, há os que após
anos de tratamento com fonoaudiólogos e professores de português conseguem se
comunicar muito bem por meio da fala. Seus diálogos, nesse caso, são sempre
travados frente a frente com o receptor, de forma que o surdo possa efetuar a
leitura labial. Enganam-se os que pensam que a leitura labial é uma constante
entre os surdos. Tal habilidade requer gastos dispendiosos, paciência e muitos
anos de treino para ser adquirida e, o pior, nem sempre pode ser empregada -
muitos fatores acabam por prejudicar a leitura labial, como o uso de barba e/ou
bigode, a distância entre as pessoas envolvidas no ato comunicacional, a forma
particular como algumas pessoas articulam certas palavras da língua etc.
Pelos motivos apontados acima, o meio natural de comunicação entre surdos e
entre surdos e ouvintes é o uso da língua brasileira de sinais - Libras -, já
reconhecida por lei como a língua oficial de comunicação dos surdos brasileiros.
Trata-se de um sistema linguístico visual, em que as palavras são articuladas em
sinais, ou melhor, os sinais são palavras. Estes, por sua vez, organizam-se em
frases e estas, em texto/discurso. Ao “sistema de comunicação” empregado pelos
que não ouvem, chamamos língua, e não linguagem. O português e a Libras são
“sistemas de comunicação” distintos, são línguas diferentes, cada uma com suas
próprias regras gramaticais. E, não, línguas de sinais não são universais. No
Brasil, aliás, não existe apenas a Libras, há também a língua de sinais
empregada pelos índios caapores-urubus, consideravelmente distinta daquela.
Infelizmente a Libras ainda é uma desconhecida para a população ouvinte e mesmo
para uma parcela significativa de surdos, circunstância ocasionada, em relação a
esses últimos, por alguns fatores históricos, sociais e "acidentais" - desculpe,
leitor, a falta de um termo melhor. Fatores aos quais pretendo me ater em um
próximo texto sobre os surdos, que, lembre-se bem, raramente são mudos.
Na vida, não existem soluções. Existem forças em marcha: é preciso criá-las e, então, a elas seguem-se as soluções.
Antoine de Saint-Exupéry
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